José da Costa, conhecido por Mister Mplode é um jovem de 30 anos deficiente visual desde o ano de 2002, que vive da cidade do Soyo (Zaire), no bairro Paróquia na cidade do Soyo, província do Zaire. Humilde e trabalhador, sua deficiência física não o impede de viver a vida como uma pessoa normal, fazendo o que mais gosta. Treina, admiravel e curiosamente equipas de futebol júnior e sénior do seu bairro.
José da Costa, à reportagem do Jornal dos Desportos, para inicio de conversa, explicou que começou a jogar a bola desde a sua infância até aos 17 anos no bairro onde vive, altura em que sonhava ser um grande jogador de futebol nacional ou mundial. “O futebol é uma modalidade que gosto bastante desde a infância, mas prematuramente, aos 17 anos, com o surgimento da deficiência, isto é com a cegueira, já não tinha como jogar, porque já não via nada, até conhecer um grupo de jovens que procurava quem os pudesse treinar, convidaram-me e aceitei”, explicou.
Míster Mplode revelou que em 2005, depois de angustiados anos em que já não poderia jogar a bola por ser cego, as crianças não acreditavam no que ouviam sobre os seus dotes, apesar de terem ouvido que eu tinha sido bom jogador no nosso bairro. Todavia, aceitaram que eu fosse treinador e estão comigo até hoje. Fundamos a equipa de futebol denominada Futebol Clube de Barcelona da Paróquia e, assim, comecei este percurso”.
“Por causa deles sinto-me uma pessoa normal e vencedora naquilo que faço, quer dizer que também posso fazer o que pessoas sem deficiência fazem”, acrescentou com orgulho. No princípio foi difícil para José da Costa, mas com a vontade e a ajuda dos seus pupilos, conseguiu vencer as dificuldades de uma pessoa deficiente visual e adaptou-se como treinador de futebol há mais de dez anos, participando já em muitos campeonatos de bairros.
“No começo era muito difícil, mas depois compreendi e fui aperfeiçoando-me e agora já não me sinto como antes. Ando à vontade e confiante no que faço, principalmente com essa equipa que criei e que transformamos numa família. Os meus jogadores também facilitam-me o trabalho, tendo em conta a minha situação” recordou ainda Mister Mplode quando retratava o momento em que começou a treinar até constatar que conhecia todos os atletas pelos nomes e pela voz de cada um.
“Treino o FC de Barcelona da Paróquia há mais de dez anos. Treinar uma equipa na minha condição não é fácil, mas consegui vencer a dificuldade, porque também joguei a bola e sei como um jogador deve comportar-se dentro do campo. Foi fácil também, porque eu mesmo criei essa equipa. No meu Bairro vivem miúdos que gostam de jogar a bola. Não tinham treinador, predispus-me a treiná-los e assim formei o conjunto até hoje”.
FEITOS
Atletas e amigos destacam as qualidades do formador
Pedro José Sambo, 20 anos, jovem atleta confirma ter sido formado como jogador de futebol pelo Míster Mplode quando ainda tinha os seus 12 anos, tendo aprendido como chutar uma bola, fazer um remate ou diferentes cruzamentos.“Trabalho com o Míster desde os meus 12 anos aqui no nosso bairro e jogo até hoje. Ele consegue treinar-nos pela voz, dá conta quando o jogador fala, ele consegue decifrar a posição deste atleta, quer dizer, é um dom natural, porque na sua condição seria muito difícil ou até impossível”.
“Durante o jogo, ele consegue orientar a equipa somente pelo movimento dos atletas e suas vozes. Ele ao acompanhar o jogo, consegue dar conta quem está com a bola e sua posição e quem está solicitar um passe, a partir dali ele orienta. Em caso do atleta falhar o passe, ele consegue dar conta que quem falhou foi o “sicrano” e dá orientações precisas no sentido de evitar próximas falhas. Quando o atleta está com a bola ao falar ele sabe quem é, e manda cruzar para área contrária enquanto orienta o médio ou atacante a desmarcar”.
Segundo Pedro José Sambo, considero-o como um gênio do futebol do bairro. É um treinador que me admira. As outras pessoas também ficam estupefactas com ele durante os jogos e o têm como um Mourinho ou um Pepe Guardiola.“Ele é um gênio de futebol. Ele um pai, estamos bastante habituados com ele, para além da bola ensina-nos muita coisa sobre a vida, aconselha-nos bastante, por isso é de louvar a sua genialidade e leva-me a continuar a jogar com ele”, acrescentou.
Albano dos Santos, conteporâneo de Míster Mplode, presente na reportegem, confirmou que o seu amigo era de facto um exímio futebolista na adolescência, a jogar como trinco e noutras posições. Ficou amputado na flor da idade com o surgimento de uma doença em 2002. “Não conseguimos explicar tudo pelo facto de não ter sido assistido por um médico oftalmologista há tempo”, conta o amigo que ainda joga na equipa sénior.
Considera-o técnico de grande carreira e, continua a incentivar-lhe a praticar o futebol como diversão no bairro.“Eu não era muito bom como ele, graças a Deus foi com Míster que aprendi a fazer remates e chutar a baliza. Tem muita experiência, como não só, é um técnico de renome aqui no Soyo, tem nos ajudado bastante”.
“Ele tem um conhecimento intuitivo, consegue colocar as peças no seu devido lugar e nós também já nos perguntámos a cerca disso. É uma parte dele, é um mistério só dele e nós reconhecemos este lado dele. Consegue dominar facilmente as coisas em campo. Há um ditado segundo o qual, “o cego vê tudo no escuro”, ele pondo as peças no seu devido lugar, estuda o terreno e tenta saber quê área produz mais ou menos durante a partida e assim vai orientando”, explicou Albano dos Santos.
De acordo com Albano dos Santos, o jovem treinador, treina a equipa, quer de forma teórica, quer prática. “Consegue treinar-nos de forma teórica e prática. Eu lembro-me no momento de treinos, ele coloca as peças no seu devido lugar e diz: façam isso e aquilo, e ele no seu conhecimento vai acompanhar se a gente está fazer bem ou não. E quando a gente faz mal dá conta e ele prefere que o treino termine com aqueles toques. Tem um conhecimento só dele. Já me interroguei muito, somente temos que entender porque ele é quem vive esse lado”, rematou.
Apoios podem impulsionar a iniciativa de Mister Mplode
Mister Mplode, deficiente, corajoso e empreendedor está determinado a continuar a fazer o que diz mais gostar, mas as dificuldades, sobretudo materiais, cruzam no seu trabalho, clamando por isso por ajudas, sejam elas públicas ou privadas. Se, por esta razão, lograr equipamentos, bolas, chuteiras e um campo de futebol apropriado, os bons frutos surgirão. “As dificuldades são muitas, não tenho onde buscar apoios e os meus petizes também não têm como ajudar o conjunto porque muitos não trabalham”, explicou.
“Falta indumentária, chuteiras, campos para treino não temos no bairro, o que existe não tem dimensões apropriadas e isto leva-nos a inventarmos. Apesar de existir quadras noutras zonas, essas têm as suas equipas também”, acrescentou. Mister Mplode revela que “já bati portas de algumas pessoas, mas não tenho sido bem sucedido, não sei se as pessoas pensam que vou pedindo algo para mim pessoalmente”, disse.
“Quando consigo um pequeno patrocínio compro bolas ou algum equipamento para os jovens. Neste momento esta indumentária que trajam é o único que temos e uma bola apenas, porque não temos mais onde buscar”, lamentou. Acreditando que há de facto ainda muitas pessoas e entidades de boa fé, Mister Mplode apela à “quem tiver que ajudar o Míster Mplode, estou aberto para alegrar esta juventude que gosta de futebol e assim não caiam no mundo da marginalidade”.
A participação em campeonatos do bairro, como explicou, constitui outra dificuldade que enfrenta. “Nem sempre conseguimos fazer parte em campeonatos por falta de dinheiro, por vezes cada equipa deve contribuir 20 mil kz para inscrição, e eu nem sempre tenho esse dinheiro e acabamos por não participar”.
“Neste momento, há um campeonato a vista, que é o Gira Petróleos e, eu já mostrei interesse se as pessoas poderem ajudar estou disposto a inscrever a minha equipa e fazermos um bom trabalho”. Para o efeito, lança um repto aos empresários de boa-fé e à sociedade civil, para ajudarem a sua equipa no capítulo de material apenas ou apoios para a participação em campeonatos do bairro.
CEGUEIRA
“Nunca entendi o que sucedeu”
Míster Mplode conta à reportagem do “Jornal dos Desportos” que a aquisição da deficiência visual começou aos 17 anos quando encontrava-se no auge da sua vida futebolística a nível do seu bairro (Paróquia) com outros jovens da idade.
O técncio conta, com nostalgia, que “ eu nunca entendi nada sobre o que sucedeu comigo até hoje, porque nunca fiquei doente e ser levado ao hospital. Só sei dizer que numa certa noite fui dormir, comecei a sentir fortes ardores nos olhos e mal-estar geral e, ao amanhecer, expliquei aos meus país, que por falta de possibilidades financeiras não puderam ajudar-me”.
“Se a memória não me atraiçoa, entre 2003 ou 2004, fui levado ao hospital e os médicos disseram-me que era muito tarde, a minha situação evoluíra para um estágio irreversível”. Após aquela noite inesquecível, como explicou, a sua vida nunca mais foi a mesma. Deixou de fazer tudo, bem como o que mais gostava, jogar a bola com outros jovens da sua idade, amputando o seu sonho de tornar-se numa vedeta de futebol nacional ou internacional.
“Depois do que sucedeu naquela noite que nunca esqueci, tudo se complicou para mim, os meus sonhos desfizeram-se. Deixei de estudar, na altura fazia a 12ª classe, deixei de jogar a bola e fazer outras coisas mais que requerem visão e passei a viver um momento negro na minha vida até 2005 que surgiu uma luz no fundo do túnel para treinar miúdos do bairro”, explicou.
AUTO-ESTIMA
Treinar miúdos apenas por amor
Segundo disse, treinar miúdos no bairro não visa conseguir benefícios materiais pessoais, apenas por amor a camisola, no sentido de ajudar os mais novos a evitarem caminhos errados ou seja, a delinquência, convidando-os a praticar futebol. “Sempre dou conselhos aos meus jogadores, neste momento que estamos aqui a treinar ou a jogar, a quem está a roubar, a cometer ou a criar pânico na sociedade. Mas eu tento desviar os jovens dos maus caminhos”.
“Se muitos pensassem como eu, teríamos poucos delinquentes, devemos ajudar a sociedade. O que faço não visa obter benefícios pessoais, eu faço isso por amor a camisola. Os únicos beneficiários sãos os jovens que abandonam a má vida de rua e fazem algo útil, e espero que outras pessoas também façam o mesmo, porque a nossa juventude enfrenta muitos problemas. Por isso, quem for de boa vontade e quiser ajudar-me e aos meus rapazes que nos procure na Paróquia”, apelou.
JOGOS
Guarda-redes ajuda a orientar os desafios
Sendo deficiente visual, Mister MPlode, para treinar uma equipa explica que procurar posicionar-se correctamente numa das partes ao redor do campo para acompanhar os movimentos da partida e dos atletas, e revela isso como detalhadamente ocorre. “É fácil porque quando estou a dirigir um treino ou jogo procuro saber primeiramente em que lado está a minha equipa. Posiciono-me numa das laterais e, a partir daí, começo a orientar, do guarda-redes até ao ponta-de-lança”.
A voz que vem da sua parte é que comanda a equipa em campo.”Se estiverem a gritar do lado onde eu me encontro, dou conta que o erro da equipa está neste lado onde estou. Se for no esquerdo da quadra é a mesma coisa, se for no centro (defesa) ou no meio campo também sei que ali onde reside o problema e oriento de acordo com a realidade”, pormenorizou.
Durante os jogos o treinador pressente exactamente quando os jogadores dão sinal de cansaço, obrigando-o a fazer mexidas.”Quando a equipa fica meio sufocada, porque está a defender mal, sei o que devo fazer para ultrapassar o problema e aliviar o conjunto, mas por vezes, dou conta se estivermos no momento de ataque e o jogador perde bolas com frequência”. Esta capacidade de avaliar a perca de bolas permite-me, igualmente, fazer orientações à minha equipa.”Percebo que o jovem não está bem, porque, se ele passar pelo adversário e errar, já consigo perceber se tenho alguém no banco procuro substituí-lo. Tiro um médio e lanço outro médio e, assim, o jogo vai decorrendo”, explicou Míster Mplode.
JD